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Opinião: porque não deves disponibilizar a tua Música e a tua atividade concertística grátis
Quando escrevi o meu livro, uma das dicas que fiz questão de deixar aos músicos é que não ofereçam o seu trabalho gratuitamente.
Hoje, acrescento também que, na era digital, pode não ser boa ideia disponibilizares sempre a tua música gratuitamente.
Bem sei que te pode parecer uma boa ideia de marketing e divulgação. Mas na prática, isso não é bem assim.
Neste artigo dou-te a minha opinião sobre porquê que não deves disponibilizar tua Música e a tua atividade concertística grátis.
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O erro de ofereceres a tua atividade concertística e trabalho musical grátis
Infelizmente ainda é muito comum em Portugal, em especial quando se fala de música clássica, que haja pessoas e instituições a pedirem aos músicos para oferecerem os seus concertos pro bono.
E infelizmente, ainda há artistas que cedem a essa pressão. Em especial aqueles que estão em início de carreira.
Não. Caias. Nisso.
Isso mesmo: não ofereças a ninguém o teu trabalho musical de graça. Pelo menos, não o faças que se queres viver de música e ter uma carreira no meio musical.
Estares no início da tua carreira não é um motivo válido para te sujeitares a esse tipo de condições. Pergunta a quem te faz esse tipo de propostas se por acaso vai para o escritório todos os dias, trabalha turnos da noite ou se desloca para outro sítio do país para trabalhar…DE BORLA.
Trabalhei muitos anos em agenciamento na área da música clássica e hoje em dia ainda o faço esporadicamente.
Sabes quantas centenas de vezes ao telefone (ou presencialmente) ouvi funcionários de serviços municipais da cultura me perguntarem porque é que tinham que pagar por um concerto?
Tens ideia de quantas dezenas de museus estavam a criar “grandes eventos culturais” e queriam que os músicos fossem de graça lá tocar? Ou de quantos programadores de festivais me questionaram por lhes estar a propor concertos com algum tipo de honorários?
Já passei por situações muito duras neste âmbito… Em todos os momentos em que cedi por alguma razão. E posso garantir-te que, no final, nunca houve benefício para o nosso lado (meu e do músico que estava a representar) ao cedermos a essa pressão.
Não te deixes manipular: existem orçamentos municipais para a cultura (incluindo a música). Para os grandes eventos é sempre destinada uma determinada soma para a organização e gestão das coisas. A grande maioria dos festivais tem apoios e patrocínios para cobrir as despesas de organização.
Em última instância, quase todos, em circunstâncias normais e salvo raras exceções, podem cobrar bilhetes.
Os teus honorários podem ser pagos de várias formas: um cachet, uma percentagem de uma bilheteira, sob a forma de um apoio (estadia, deslocação, alimentação), ou através de um financiamento externo (a obtenção de um apoio ou patrocínio, mecenato ou o recurso a candidaturas para obteres os fundos necessários).
O importante é que, de alguma forma, tu não ofereças o teu trabalho musical de graça a quem te contrata.
Encontra parcerias, negoceia propostas, candidata-te a apoios, organiza bilheteiras. Faz o que achares mais adequado em cada caso. Mas mostra sempre aos teus contratantes que o teu trabalho não é gratuito e sem contrapartidas.
Este não é um ponto em que deves ceder. Nem que, às vezes, faças o teu trabalho por um “valor” simbólico.
A cultura e a música são produtos e serviços muito caros para organizar, produzir e disponibilizar.
A política que muitos anos se seguiu em Portugal para “democratizar” o acesso a este tipo de bens e serviços estava certa na sua intenção do lado do público (embora os resultados não tenham sido bem os previstos inicialmente), mas falhou redondamente no aspecto da valorização do trabalho artístico e musical.
Assim, as pessoas têm um maior acesso aos produtos e serviços culturais, que tão importantes são para o desenvolvimento da sociedade como um todo e para criar cidadãos inteligentes, sensíveis, atentos e dotados de pensamento crítico.
Mas essas mesmas pessoas continuam a pensar que isso é um dom que lhes cai do céu, talvez por intervenção divina. E ignoram, na maior parte dos casos, todo o trabalho e investimento que está por atrás de cada concerto, de cada CD, de cada showcase, em, em geral de cada atividade e produto musical que consomem.
A música não é um negócio sustentável, se não tiver um movimento económico e financeiro que a sustém. Nisso, é um negócio igual aos outros.
Em Portugal, ainda há muita dependência do Estado em algumas áreas da música. E por isso mesmo é importante que se procure diversificar as fontes de rendimento musical e diferentes formas de valorizar o trabalho musical (e não, não bastam elogios e bonitas palavras ou “oportunidades” para se mostrar em público).
Para além disso, lembra-te: nada pode ser considerado trabalho (ou profissional) se não é pago de alguma maneira. O que é gratuito normalmente é só um hobby ou uma atividade de lazer.
Portanto, se ofereces o teu trabalho como músico gratuitamente, podes muito bem dedicar-te a trabalhar noutra coisa que leves mais a sério. Isto porque a gratuitidade da tua força produtiva é prejudicial também para os outros músicos, que se esforçam todos os dias para viver da sua Música e da sua Arte.
Por outro lado, e mais importante ainda é que isso dá aos teus contratantes a ideia de que o teu trabalho não deve ser remunerado.
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Os fãs não são os únicos clientes de um músico
Neste artigo explico-te que os teus fãs podem não ser teus clientes e os teus clientes nem sempre são teus fãs. Explora melhor o universo dos teus públicos-alvo dependendo do tipo de tarefa e atividade que estás a desenvolver para gerires a tua carreira artística em cada momento.
Livro “O Negócio da Música Clássica em Portugal: Dicas para Músicos”
Este manual é um convite para refletires sobre como transformar a Música Clássica num negócio, e explorar os motivos porque é que a Indústria Musical é importante para a economia e desenvolvimento do País. No livro, junto a essa informação, algumas dicas para te ajudar a transformares-te num músico-gestor.
Oferecer música grátis é bom para divulgares a tua carreira?
Aqui a resposta é sim…e não. Ou seja: oferece só com motivos muito bem definidos e sem exagerar. Vejamos se me consigo explicar melhor.
Se estás a promover um novo um disco, podes disponibilizar gratuitamente um sigle de lançamento aos jornalistas, aos teus superfãs ou a pessoas que te podem ajudar a promover o teu disco. Mas não deves disponibilizar o disco inteiro gratuitamente.
Se estás a negociar a tua participação num festival ou a vender um concerto, o teu contratante pode pedir-te para ouvir a tua música. Reserva algumas amostras e exemplos para essa ocasião, ou usa vídeos de prestações anteriores que já tenhas disponibilizado (por exemplo no Youtube).
De resto, ao disponibilizares a tua música, usa formas diretas e indiretas de rentabilizá-la. Usa o streaming pago, a venda de música nas plataformas digitais e encontra forma de monetizares a tua música de alguma maneira.
Isto inclui as redes sociais. Hoje em dia, num mundo em que a comunicação tem uma vertente digital sempre maior, é muito fácil falhar ao lembrar-se que o marketing digital é uma forma de comunicação que deve ajudar a rentabilizar uma determinada atividade, produto ou serviço.
Há muitos artistas que disponibilizam a sua música gratuitamente nos meios digitais na esperança de ter maior visibilidade ou se tornar “viral.” Hoje em dia isso é uma ilusão.
No início da internet e quando nasceram as redes sociais há uns anos atrás, isso podia ser verdade. Era mais fácil tornar-se influente junto das pessoas certas para fazer crescer o nosso negócio. Atualmente porém, isso já não é bem assim.
A internet está sempre mais acessível a fatias maiores da população mundial, mas há também um volume maior de informação a circular. Criou-se uma situação em que todos falam de tudo online e é muito difícil, na verdade, ter uma grande visibilidade para grandes grupos de pessoas.
A verdade é que, salvo algumas exceções de excecional fama mundial, o número de conexões de cada um de nós tende a diminuir. Isso significa que é sempre mais difícil ser um “influencer”. Por consequência, é sempre mais difícil que um conteúdo se torne verdadeiramente viral.
Por isso, tira daí a ideia e cai na realidade: as possibilidades de uma música de um artista com uma fama modesta (ou iniciante) se tornar viral, é muito próxima do zero.
Portanto, mais vale que rentabilizes o teu esforço e a tua Música. Afinal tu vives disso, e não há um motivo válido para desvalorizares o teu trabalho.
3 razões para não disponibilizares a tua Música e a tua atividade concertística grátis
Se ainda não te convenci, então, pensa nestas 3 razões para não ofereceres a tua música grátis:
1 – Ao ofereceres tudo grátis, estás a educar o teu público para não comprar nada do que disponibilizas.
Se as pessoas estão habituadas a ter tudo gratuito, dificilmente vão aceitar pagar depois. Para além disso, se queres viver da tua música, não te esqueças que terás que tentar rentabilizar o teu trabalho e produtos musicais de todas as formas possíveis.
2 – Ao ofereceres tua música sempre de graça, estás a atrair curiosos…Não fãs.
É pura psicologia: o ser humano é atraido pelo facto de poder ter coisas de borla. Mesmo que não precise, ou não goste do objeto em questão…Se é grátis, então a tendência é tentar obtê-lo. Mesmo que depois deixe de usar depois de algumas horas e esqueça o que recebeu.
Então, se queres que as pessoas valorizem a tua música, pede algo em troca por ela. Pode até não ser dinheiro. Por exemplo, pode ser um endereço de email, ou um comentário positivo nas redes sociais, ou uma opinião. A relação deve assentar (também), numa lógica de troca.
A lógica de troca permite-te criar relações com o teu público. Pensa bem: a comunicação é uma troca que cria pontos de união e ligações. Ao criares interação e promoveres vários tipos de relações com as pessoas que estão em contacto com o teu trabalho, na verdade estás a construir uma base de fãs.
Ter um relacionamento com o teu público é uma das principais formas de venderes o teu trabalho. Por isso: evita os curiosos e aposta nos fãs.
3 – Estás a desvalorizar o teu trabalho e a perder dinheiro.
Ao ofereceres sistematicamente a tua música e o teu trabalho artístico gratuitamente, estás, na realidade, a desvalorizar o teu trabalho.
Pensa em dois exemplos concretos:
- Para gravar e editar um disco, em Portugal, precisas de, no mínimo 3 a 5 mil euros. Há projetos discográficos que podem chegar aos 10 ou 20 mil euros para poderem ver a luz do dia. Achas justo que todo esse esforço seja oferecido a pessoas que podem muito bem descartar o teu disco depois de ouvir duas ou três músicas?
- Para preparar um concerto de música clássica, um músico dedica centenas de horas de estudo e aperfeiçoamento do programa que vai tocar. A isso juntam-se mais umas quantas horas de ensaios e, muitas vezes, de viagem para chegar ao local do concerto. Nessas horas de preparação, esse profissional não tem a oportunidade de estar a trabalhar noutras coisas que lhe podem trazer rendimentos adicionais. Parece-te correto, que não haja qualquer tipo de honorários ou pagamento que compense esse esforço? O concerto deve ser simplesmente oferecido gratuitamente ao contratante/organizador e ao público?
Então...Não podes oferecer a tua música em caso algum?
Sim. É claro que podes. Mas não indiscriminadamente ou de forma sistemática.
Devem ser ocasiões excecionais, não algo constante.
São bons momentos para oferecer, por exemplo:
- Um concerto de beneficiência ou em defesa de uma causa que acredites e te fale ao coração.
- Ou uma oferta excecional para celebrar um marco de carreira, por exemplo, ou uma ocasião especial que partilhes com os teus fãs.
- A nível de comunicação, podes disponibilizar uma pequena parte da tua música gratuitamente (sem pedir nem sequer um email em troca), mas apenas quando tens em vista uma meta muito precisa que pode ser atingida através de uma ação de comunicação que envolva disponibilizar alguma música gratuitamente.
- Podes também querer experimentar e testar a reação dos teus fãs a uma determinada música ou algo de novo que estás a experimentar nessa área.
Enfim, acho que já percebeste: usa o gratuito na tua música e trabalho musical com atenção (e intenção), como parte de uma estratégia precisa. Senão corres o risco de apenas te estares a desvalorizar e a habituar os outros a não darem o devido valor ao teu trabalho.